domingo, 12 de fevereiro de 2012

A MINHA ENTRADA NO MUNDO DO TRABALHO - 2


Em certa altura passei a acompanhar na minha condição de aprendiz, um operário chamado Moreira, que era natural de Montes Juntos – Alandroal, mas que há anos vivia no Laranjeiro, aos navios da marinha de guerra.

 Para quem não conhece o Arsenal do Alfeite, são os estaleiros navais que dão apoio na manutenção dos navios da nossa armada. O Moreira ia varias vezes ao navios ancorados, para proceder a reparações, muitas vezes relacionadas com as bombas de agua. Agradou-me e jamais esquecerei as “visitas” que ambos fazíamos a bordo do navio – escola Sagres.
Mais tarde, fui transferido para uma outra secção onde aperfeiçoei os meus conhecimentos, embora mantendo a categoria profissional de operário. Tratava-se da Secção de Normalização e Classificação de Materiais. Aí desenhavam-se peças que depois seriam fabricadas nas oficinas, estudavam-se as NEP ( normas portuguesas). Era um trabalho mais aliciante, longe do ruído da maquinaria e naturalmente mais higiénico. Lembro-me que a secção era chefiada por um engenheiro cujo nome não recordo e por um funcionário administrativo cujo nome era Costa. O Costa era um amigo e camarada, e através dele me iniciei na vida político-partidária . Primeiramente no MDP/CDE e depois quando este Movimento passou a partido politico, inscrevi-me no Partido Comunista Português durante algum tempo. O Costa estava sempre disponível para transmitir-me os ensinamentos de que necessitava. Estudava à noite em Lisboa, na Faculdade de Economia E, ficou-me gravado o dia em que pela manhã no inicio da jornada diária de trabalho, o Costa entrou na secção, depois de ter realizado  as provas de exame na Faculdade, que lhe concederam a licenciatura naquela área.
Na secção éramos cerca de dez funcionários e nessa manhã, perfilados logo que o Costa entrou dissemos em uníssono:
- Bom dia senhor Doutor!
E o Costa respondeu de forma agressiva, nada satisfeito com o título académico a que tinha direito:

- Senhor Doutor o c….
Era assim o grande companheiro e ao mesmo tempo bom camarada - o Costa!
Foi ele quem politicamente me instruiu, quem projectou mais longe os meus escassos conhecimentos da realidade que do mundo actual, onde uns têm tudo e outros quase nada! A minha eterna gratidão ao grande amigo e companheiro de ideologia, o Costa!



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A MINHA ENTRADA NO MUNDO DO TRABALHO - 1




Quando terminei o curso industrial, ou mais concretamente o curso de formação de electromecânico, no principio dos anos 60, na Escola Industrial e Comercial de Beja, rumei para Almada, onde por intermédio de um familiar que já partiu, ingressei no Arsenal do Alfeite, como aprendiz de serralheiro mecânico.

Nunca concordei com a situação de “aprendiz”, dado que no curso industrial, tal como nos demais cursos ministrados nas antigas Escolas Técnicas, a aprendizagem era exemplar. Nas oficinas colocadas à disposição dos “aprendizes” nada faltava para que se formassem bons profissionais. E, depois de três anos de curso, custa um pouco ingressar no mundo do trabalho com a profissão de “aprendiz” . E se pensarmos que esta categoria era distribuída por aprendiz de 3ª, aprendiz de 2ª e aprendiz de 1ª, maior será a nossa repulsa.

Pois fui admitido como aprendiz de 3ª classe, com o vencimento mensal de 802$00. Tinha na ocasião 17 anos de idade. Outra particularidade que em muito ajudava os jovens aprendizes, é que, com um horário das 8 horas às 15 horas, quando os demais operários iam até às 17 horas. A razão consistia no facto dos jovens estudarem reunindo assim conhecimentos teóricos que aliados aos conhecimentos práticos faziam deles, na generalidade bons profissionais.

No meu caso, saía como tal às 15 horas, e percorria o caminho que me levava do Portão da Romeiras, passando pela Cova da Piedade e subindo depois até, Almada,  à urbanização sobranceira à Lisnave onde residiam os meus familiares que me acolheram em sua casa. Teria pois o tempo suficiente para estudar, preparando-me para, após o jantar, iniciar as aulas na então Escola Industrial e Comercial Emídio Navarro, até às 23 horas.

Ingressei pois naquele estabelecimento de ensino, no 1º ano da Secção Preparatória ao Instituto Indusdrial.Aí permaneci até  a minha ida para o serviço militar obrigatório. Entretanto porque os meus familiares decidiram  adquirir casa própria, passei a residir, primeiramente, junto ao monte do Cristo Rei e mais tarde em dois quartos alugados, perto desse local.

No Arsenal, onde fui como frisei admitido como aprendiz de serralheiro mecânico, na oficia de ferramentas, tive o primeiro contacto com o mundo do trabalho um tanto ou quanto penoso para mim. Como serralheiro mecânico passava todo o horário de trabalho, numa bancada, na frente de um torno, onde se reparava de tudo o que fosse ferramentas de trabalho. A oficina não era grande, mas dava trabalho a cerca de 30 operários, chefiados por dois “mestres”, cijos nomes se a memória não me falha eram Campos e Manuel ? que conhecíamos por “nini”. Eram boas pessoas, embora contactassem com os operários apenas o necessário. De resto permaneciam num gabinete, de dentro do qual, através de uma vidraça seguiam toda a vida da oficina.

Já não consigo recordar-me dos meus colegas de trabalho. Mas lembro-me que na minha frente na bancada, um operário de idade avançada, se entretinha a falar comigo, sobre os mais variados aspectos. Devido a isso, muitas vezes tanto um como o outro eram chamados à razão pois com a conversa esquecíamos o trabalho.

Na oficina, muitos dos trabalhadores viam em mim, o filho de um qualquer agrário alentejano. Embora constantemente os informasse que provinha de trabalhadores agrícolas, quase não acreditavam, pois eles sabiam que as classes rurais tinham dificuldades em darem estudos aos filhos. Atrevo-me até, a afirmar, que por vezes e a principio devem ter pensado que teria ali sido colocado, para ouvir as suas conversas e comentários nada favoráveis ao regime. Levou muito tempo até se convencerem de que tal não correspondia à verdade. Tive e conheci ali grandes amigos. Provavelmente poucos serão vivos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012


A propósito de JOSÉ RAPOSO NOBRE

Isto de escrever as nossas memórias, por vezes não é tarefa fácil. Se a principio assim parece, depois as ideias vão-se dissipando e a muito custo, vem ao de cima.

Mas por vezes basta que alguém recorde factos passados para imediatamente se fazer luz e as recordações virem ao de cima.

Isto a propósito do artigo colocado mo “Alvalade.info” administrado pelo conterrâneo e amigo Luís Pedro Ramos, a propósito do grande homem  que durante a vida contribuiu e continua a contribuir com o seu esforço e trabalho, para o desenvolvimento de Alvalade. Refiro-me ao José Raposo Nobre, grande amigo, que tive o grato prazer de acompanhar na vida pública, quase logo a seguir ao 25 de Abril. Anteriormente a esta data libertadora, recordo igualmente o José Nobre, principalmente na sua actividade de empregado de comercio, no estabelecimento comercial dos Sr Inácio Cabrita Cortes, um dos mais importantes da Vila de Alvalade, situado onde hoje se encontra o café “ O  Sitio Certo”.

Mas depois de procurar factos passados, dou por mim a recordar o nosso José Raposo Nobre, na sua condição de autarca. Lembro-me que as reuniões da Câmara eram à sexta-feira e eu, jovem de vinte e alguns anos, desenvolvia actividade na força politica onde militava e continuo a militar – o PCP, embora nesses tempos numa forma de grande actividade. Pertencia então à Comissão Concelhia e as reuniões deste órgão eram igualmente à sexta-feira. Assim, eu aproveitava a “boleia” do José Nobre e chegados a Santiago ele entrava na Câmara e eu ia para a “prisão”. E quando digo isto espero que o admitam como brincadeira, mas a Sede do PCP nessa altura era no antigo estabelecimento prisional de Santiago do Cacém, já na altura desactivado e hoje albergando um dos melhores museus concelhios nacionais.

Ambos íamos para reuniões que em lados opostos da Praça do Município, terminavam madrugada fora. E, numa das ocasiões, não sei bem porque motivo, o Sr. Nobre, talvez com o cérebro saturado dos enormes problemas autárquicos com que se debatia a Câmara Municipal, ou então por ver as portas e janelas da antiga prisão fechadas, deduziu que a minha reunião já teria terminado e eu já tivesse regressado (não haviam telemóveis), veio para Alvalade, deixando-me em Santiago.

Valeu-me então, a boa vontade do jovem amigo  José Pereira, de São Bartolomeu da Serra, hoje Director Financeiro da Câmara Municipal de Santiago do Cacém, que me veio trazer a Alvalade, na sua viatura.

Esta uma das muitas peripécias que preencheram a minha vida de jovem, como a de tantos outros que se empenharam com a força da sua juventude para que fossem criadas melhores condições de vida para as populações . Só que nesta, tive a felicidade de a viver na companhia dum grande Homem, que ainda hoje comigo colabora na vida institucional. Que seja por muitos anos, bom amigo José Raposo Nobre.

domingo, 15 de janeiro de 2012

AS NOSSAS TRADIÇÕES -As Janeiras - Os contratos de Páscoa


Já aqui mencionei uma das tradições que muito me marcaram na infância – o cante das janeiras .  Hoje em Alvalade e anualmente por minha iniciativa e com a participação dos meus queridos utentes do Centro de Dia, alguns já com muitas dificuldades de mobilidade, sai um grupo à rua entoando não as janeiras, mas sim os Reis. A melodia de um e outro cante é idêntica, apenas é alterada a letra.
O meu desejo e daqui faço um apelo aos que se dedicam inteiramente à educação das crianças, sejam os pais e familiares. sejam os professores, para que   incentivem os vossos educandos a que participem nestas actividades tradicionais. Se tal acontecesse não se perderiam estes valores, porque a tradição é a memória dum povo  e cabe-nos a todos contribuir com o nosso empenho para que muitas das tradições não se extingam por completo. Continuo a pensar que a escola seria de certeza o melhor percurso da vida para que estas memórias continuassem a existir.
Vejamos as actividades que felizmente algumas escolas promovem e que tem este fim. Lembremo-nos do Carnaval, com os cortejos trapalhões que se realizam um pouco por todo o lado. Um tanto abasileirado, não sendo difícil incluir quadros tradicionais portugueses nestas iniciativas. Cito como exemplo a Dança de Carnaval, ou como também lhe chamam a Dança das fitas. O Centro de Dia de Alvalade realizou esta actividade durante alguns anos, mas dado que a sua execução é extremamente difícil para pessoas com idade avançada, certamente os jovens conseguiriam ( e estamos certos) com agrado, ensaiarem e apresentarem esta tradição carnavalesca.
Na Páscoa, tenho sempre presente os Contratos de Páscoa. E não tenho dúvidas de que os nossos jovens sensibilizados muito gostariam de participar em mais esta tradição.

Os “Contratos de Páscoa”

é uma das tradições alvaladenses, de que se fala, mas que infelizmente deixou de existir. Se houvesse possibilidade de sensibilizar os nossos jovens para o retomar desta tradição, seria importante. Mas não só os nossos jovens. As pessoas adultas poderão igualmente participar neste tipo de iniciativa, que certamente daria nova motivação à população, neste momento absorvida pelas dificuldades que nos são impostas e que tendem a contribuir para que se fique parado no tempo sem expectativas nem anseios.
O contrato era efectuado entre duas pessoas e em jogo estava um pacote de amêndoas ( antigamente as amêndoas eram vendidas a peso ).
No momento do Contrato os dois contraentes,  davam as mãos direitas dizendo:
“ Contrato, Contrato, Contrato fazemos – No dia de Páscoa oferecemos”.
Estava então celebrado o contrato verbal.
No dia de Páscoa, os dois contraentes tentavam encontrar-se. Corriam as ruas, escondiam-se . O primeiro que avistasse o outro, dizia-lhe – “Oferece e Reza”
E estavam ganhas as amêndoas, combinadas no dia da efectivação do Contrato.
Tornava-se interessante, ver pessoas, jovens e adultas, praticarem um autêntico jogo do “esconde e aparece”.
Seria muito interessante , que, na próxima Páscoa esta nossa tradição fosse relembrada e praticada. Porque não?