quarta-feira, 21 de outubro de 2009

RECORDAÇÕES DO "MONTE" - 4 - O dia da cozedura do pão

O DIA DA COZEDURA DO PÃO


Cabe aqui recordar o dia especial que era, no monte o “dia de cozedura”.Ainda de madrugada, a minha mãe levantava-se e avisava as outras mulheres de que deveriam começar a amassadura. A partir desse momento com o começo ao mesmo tempo, seria possível a massa estar pronta a mesma hora para entrar no forno. Depois mais tarde, por volta do meio da manhã, as mulheres juntavam-se para carregarem a lenha do “monturo”,(monte de lenha) para o forno. O primeiro forno existente no “monte” , situava-se em plena rua do mesmo, separado das moradias. Mais tarde foi construído outro, na “empena”(esquina) do “monte”. Ao contrario do anterior, dispunha de um alpendre, com dois poiais um de cada lado, onde se colocavam os tabuleiros do pão. Acendido o forno, começava então o “tender”da massa anteriormente “amassada”. O “tender” consistia em moldar-se o pão, colocando-o no tabuleiro de madeira, revestido com um pano alvo chamado “panal”. Depois do forno aquecido, começavam a chegar os tabuleiros. Depois, os pães em massa, a que eram colocados sinais a fim de se tornarem distintos no acto pós cozedura. Colocados dentro do forno, era rezada uma pequena oração. Passado o tempo regulamentar era uma delicia ver a saída do pão, e por vezes quase se realizavam concursos sobre a melhor forma do pão saído do forno

RECORDAÇÕES DO "MONTE" - 3 - A época das ceifas

A ÉPOCA DAS CEIFAS


Gostaria de falar mais um pouco sobre as recordações que tenho do tempo das ceifas. Era de facto um período de grande azáfama. As ceifas do trigo eram feitas por grupos de homens e mulheres contratados no Algarve. Durante cerca de um mês, à volta de Junho ou Julho, aqueles seres humanos viviam como autênticos escravos. Trabalhavam de sol a sol, isto é, desde o nascer do sol, até que o mesmo se pusesse, desaparecendo no poente. À noite, era servido o jantar na rua do monte e quase sempre constituído por sopa de pão com toicinho frito. Depois, lá se aconchegavam na “aramada” onde dormiam os animais, estendidos em cima de sacos de pano. Os molhos de trigo eram então carregados em carros de mulas, para a eira. Aí iam sendo amontoados em “medas”, aguardando a chegada da debulhadora. E passado algum tempo era a chegada da debulhadora. Uma maquina enorme, puxada por um tractor. Começava então a debulha do cereal, o qual ia sendo depositado nos celeiros.
Mais tarde, seria encaminhado cereal para a empresa compradora a Sapec, através do caminho de ferro.
Outro cereal ficava de reserva, a fim de ser enviado para a moagem, na Vila e aí ser transformado em farinha que iria abastecer a casa agrícola durante o ano.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

RECORDAÇÕES DO " MONTE" - 2 - esxperiência de trabalho agrícola

E, numa dessas ocasiões, colocou-me a ajudar a carregar palha, da eira, para a “aramada” (local onde dormiam os muares). A eira ficava no meio da várzea frente ao monte, separada deste, pela linha do caminho de ferro. A palha era transportada de um local para o outro, num carro de mulas, preparado com uma rede. O almocreve com a forquilha, atirava a palha amontoada no solo, para dentro do carro, e o meu trabalho consistia em, lá dentro do carro ir calcando a mesma, com os pés. Claro que, quando o almocreve atirava cá de baixo a palha, a mesma caía-me em cima, e entrava por dentro da camisa, provocando forte irritação no corpo Resultado, cada vez que o carro passava pelo monte, tinha que mudar de camisa, tal a irritação que a palha causava em contacto com o meu corpo. E, a minha mãe, não teve outra solução que não fosse retirar-me desse trabalho, pois não conseguia arranjar as camisas necessárias.
Noutra ocasião, mandou-me apanhar tomate. Nessa altura a cultura do tomate era intensa, haviam grandes lavras de tomate, que era transportado para a Vila, onde estava instalada a ECA – Empresa de Concentrados de Alvalade. Fazia um calor enorme, um daqueles dias em que a temperatura subia a mais de 40 graus. Era de facto um trabalho muito penoso, a apanha do tomate. E a minha mãe lá me mandou “experimentar” esse trabalho. Eu, juntamente com outras pessoas, apanhava o tomate para um balde e daí ia depositá-lo nas caixas de madeira que depois eram transportadas para a fábrica. O calor era sufocante e o “manageiro” ou “capataz” era o meu compadre António Leonor, um homem alegre mas que se preocupava com o facto de eu, não estando habituado à canícula, ter de andar ali juntamente com rancho. E a dada altura, disse-me:
- Oh compadre ( eu era padrinho dos seus netos), você não aguenta este calor, vá embora, vá pró monte!
Claro, que era isso que eu desejava ouvir. E lá abalei satisfeito por me ver livre, daquele trabalho de escravos. Quando cheguei ao monte é que foram elas!
A minha mãe, deu-me uma valente tareia e imediatamente me “recambiou” para a lavra, a fim de continuar o meu trabalho. O meu compadre, coitado lá teve, contrariado que me readmitir.
Mas hoje, sei dar o valor aos trabalhos do campo, embora muitos deles hoje já sejam feitos por máquinas.

RECORDAÇÕES DO "MONTE" - 1 - O "monte" dos Almargens

Monte dos Almargens - Vale do Sado
Tendo meu pai falecido aos 25 anos, por falta de assistência médica, entendeu minha mãe que teria de actuar com mão de ferro, no que respeita à educação a dar –me e a minha irmã . Minha irmã, nasceu primeiro e quando meu pai (que era pastor na herdade), faleceu, tinha 3 anos. Eu apenas nove meses. Penso que, por ter sido a primeira a vir ao mundo, foi beneficiada com todos os mimos e carinhos, que não sobraram para mim. Assim, a minha educação foi rígida por parte de minha mãe, sendo regulares as tareias por dá cá aquela palha. Costumo dizer que se tive carinhos da parte de meu pai, como é lógico que os tivesse, deles não me recordo. Da parte de minha mãe, nunca me lembro de ter até aos 57 anos, quando ela faleceu, qualquer carinho, embora tenha tido sempre as preocupações e cuidados que uma mãe tem pelos filhos.
O certo é que também ela não sabia o que era o carinho e a presença constante duma mãe. Aos seis anos de idade, foi trabalhar, como empregada doméstica para a herdade.
Assim, a meu ver, minha mãe carente dos carinhos maternos, naturalmente não sabia dar o que não lhe deram a ela, tal como um filho que é criado sem pai, terá dificuldades em, uma vez na situação de pai seguir o exemplo do seu progenitor.. E isto nem sempre é tido em conta pelos filhos, que acusam os pais de não o terem sabido ser.
Aliás, se há coisa que tenha sempre presente, foram as “tareias” que levei da minha mãe, sempre com a ideia de que daquela forma estava a dar-me uma boa educação. Assim à mínima coisa que fizesse a tareia aparecia logo.

Certa vez subi a uma arvore para sacar um ninho. Quando já lã estava em cima, minha mãe apareceu sem que me apercebesse e começou a dizer-me:
-Luís, já cá para baixo!- insistiu ameaçadoramente:
-Já cá para baixo que eu já te ensino a subir às arvores!”
Coitada eu sabia que tudo isso eram as preocupações que tinha comigo, mas na sua ignorância, poderia ter feito com que caísse da árvore dado o receio que me acometia, da tareia que me esperava.
Quando o proprietário da herdade que vivia em Lisboa onde era funcionário do Ministério da Economia – o Sr Armando, assim se chamava - Armando de Sousa Dourado Eusébio – a minha mãe redobrava as suas preocupações e dizia-me logo:
No dia em que vier o Sr Armando, não apareces aqui em casa!
E porquê?
Porque ela não queria que ele me visse com a roupa suja das minhas brincadeiras no “monte”.
E assim, eu deambulava pelos campos, sempre espreitando a ocasião em que deveria voltar para casa.
Quando já na adolescência, minha mãe teve o cuidado de, nas ferias (já estava a estudar em Beja), me fazer trabalhar nos mais diversos trabalhos do campo – para que soubesse dar o valor ao que custava trabalhar no campo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

AS MINHAS MEMÓRIAS - Os ciganos e o cavalo Morgado

A convivência com a comunidade cigana

Quando o lavrador resolvia comprar novos muares, mulas ou cavalos, recorria ao Zé R, que se encarregava de adquirir os melhores exemplares, porque eram para o lavrador. Ainda falando dos ciganos, ainda hoje me causa arrepios só de pensar que aqueles desgraçados para mitigarem a fome, costumavam desenterrar porcos que tivessem morrido havia um dia ou dois, e faziam autênticos festins. Não haviam doenças que os atingissem “ o fogo mata todos os males – diziam eles”.
No entanto nem todos recorriam a este hábito para matarem a fome. E na tenda do Zé R, nem pensar! Aí comia-se bem e ainda hoje recordo aquele feijão aromatizado com funcho que nos deliciava, pois muitas vezes eu próprio comia na tenda do Zé R e da cigana Vitalina.
O cavalo Morgado
Gostaria de falar aqui um pouco do Morgado, porque também ele faz parte das minhas memórias. O Morgado era um cavalo adquirido por intermédio do Zé R,, um lindo animal. Mas tinha um defeito. Quando menos se esperava “embicava” isto é faltavam-lhe as forças nas pernas dianteiras e pumba, caía e muitas vezes caíamos nós também. Certa vez, poder-se-ia ter dado um grande desastre – o Morgado entendeu cair, precisamente numa passagem de nível, quando o comboio já assomava ao fundo da recta, junto ao Monte Novo. Conseguiu-se cortar os arreios a tempo. Também, no dia em que fiz o meu exame da 3ª classe, quando íamos a caminho da Vila, junto à Casa da Guarda da CP, o Morgado resolveu “embicar” e eu, que não ia seguro, passei pelo ar por cima dele e estatelei-me felizmente só com uns arranhões.
Outra mania do Morgado, é que gostava de competir com o comboio. Se seguíssemos numa estrada paralela à via férrea, quando o comboio por nós passasse, o Morgado lançava-se numa corrida doida, a galope, tentando o impossível – ultrapassar o comboio. O resultado é que, com esta mania, mais depressa chegávamos ao destino.
(continua)

sábado, 10 de outubro de 2009

AS MINHAS MEMÓRIAS - A herdade - as feiras - os ciganos

A HERDADE

A herdade ficava quase no extremo do vale do Sado, a partir da sede da freguesia. Era bem uma hora de caminho, a partir desta, geralmente feito pela berma da via-férrea do vale do Sado. Eram cinco quilómetros difíceis de percorrer principalmente para uma criança. A herdade ou o “meu monte” como eu a tratava tinha nessa altura o aspecto contagiante do Alentejo, com todas as características do mundo rural da época de 50. O “monte” de que actualmente, apenas se conhece um amontoado de pedras acabou por ruir, no período a seguir ao 25 de Abril de 1974. Deixou de ter moradores, foi-se arruinando e hoje constitui para mim apenas uma recordação. Por vezes não resisto à saudade e visito o local e é com grande mágoa que deparo com aquelas ruínas, onde nasci em 1948. Ali cada metro de terreno tem uma história, é uma recordação da minha infância. Uma criança que aspirava pelos dias da feira de Abril ou da feira de Julho, quando os terrenos circundantes ao “monte” se enchiam de caravanas de ciganos. Então a magia do dia a dia transformava-se com as dezenas de crianças com quem podia brincar. E tanto que gostava de conviver com elas, criadas de uma forma completamente diferente da minha, a quem nada faltava. Elas que não tendo casa, vivendo a sua vida de nómadas, eram apesar disso tão felizes e sempre dispostos a umas brincadeirinhas. Hoje, gosto dos ciganos, admiro-os e magoa-me ouvir questões ligadas a xenofobia. Como recordo a cigana Vitalina que de ano a ano aparecia na herdade com mais um filho e já eram tantos! E o marido o Zé R. que, logo que acampava, fazia questão de se vestir a preceito, de fato cinzento, para ir cumprimentar o lavrador. E o Zé R. era sempre bem-vindo àquela herdade. Entrava na casa do lavrador, e logo lhe ofereciam uma cadeira para se sentar, e bebia e comia com o lavrador, porque era tido como um cigano de respeito e respeitador. Quando se envolviam em zaragatas, o que acontecia regularmente, logo o Zé R. era chamado a intervir e acalmar os ânimos. Em certa ocasião, devido aos amores de uma cigana por um trabalhador da herdade, foi tal a confusão, que meteu tiroteio e a intervenção da Guarda Nacional Republicana, chamada através da linha telefónica dos caminhos-de-ferro. Mas, dada a distância da Vila à herdade, quando ali chegou a patrulha, os ciganos tinham-se evaporado!
Em determinada ocasião o Lavrador, assim chamado por ser ele quem explorava as terras, por arrendamento, já que o proprietário, como a grande maioria dos proprietários das herdades, residiam longe da freguesia encomendou ao Zé R. um serviço de louça de porcelana. Isto foi num ano e no ano seguinte, eis que chega o Zé R. com a mercadoria. Colocado o caixote de madeira na cozinha, vimos abrir o mesmo e de lá saírem as mais lindas chávenas, pratos, terrinas etc. Naturalmente que, coisas de contrabando.
(continua)

AOS VISITANTES

Certamente já repararam, que algumas das crónicas aqui inseridas, cruzam-se com outras e os temas por vezes são os mesmos. Pelo facto peço desculpa, mas compreenderão que nunca escrevi algo sobre a minha vida. Em certa altura pensei em escrever e guardar os meus escritos, para um dia quando partisse de vez, alguém os ler. Depois, cheguei à conclusão de que seria egoísmo da minha parte, não dar a saber aos interessados, tantas recordações que de uma forma ou de outra, contribuem para a história da freguesia de Alvalade. Essa pois a razão porque criei este espaço, no qual irei inserindo os apontamentos que a memória me permita. Agradeço às inúmeras pessoas que me incentivam a continuar. Peço desculpa por não consentir por enquanto comentários, mas tal facto deve-se a considerar os assuntos muito pessoais. Tentarei igualmente, omitir dentro dos possíveis, nomes de pessoas que comigo conviveram ao longo dos anos, a fim de não as ferir na sua modéstia. Desde já agradeço a vossa compreensão e as vossas visitas e sugiro que outras pessoas criem os seus blogues transmitindo também as suas vivências, que julguem ajudar a compreender melhor as épocas passadas
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