segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

AS MINHAS MEMORIAS -O inesquecível Tio Libertário

O INESQUECÍVEL TIO LIBERTÁRIO
Durante o funcionamento da escola-paga da Dª Inês, a meio da manhã e a meio da tarde, havia o recreio, e quando o mesmo acontecia, aí íamos nós, Rua de Lisboa abaixo, até ao Serro do Moinho. Brincava
-se ao “apanhar”, faziam-se as necessidades fisiológicas, porque, casas de banho não as haviam. Eu ficava na casa de minha tia Maria Teresa, meia irmã de minha mãe. A minha tia vivia com muitas necessidades económicas, trabalhava no campo de sol a sol, enquanto o marido meu tio Libertário, trabalhava de oficial sapateiro, a principio na oficina do Sr. Garcia e mais tarde, quando aquela fechou as portas, por conta própria. Era  uma pessoa adorável, muito brincalhão a carinhoso com os filhos o Tó Zé e a Clarinha, mas também comigo a quem tratava como filho. Mas tinha um problema que era semelhante à maioria dos homens desta localidade – gostava do seu copito!.

E certa vez, minha tia chegou do trabalho, foi à Bica lavar uns trapos, trazer agua para casa – não havia agua canalizada, fez o jantar e como meu tio se demorava a vir, da taberna do Quedas, a meio da ladeira do Posto mandou-me ir chamá-lo para jantar. Eu fui a correr, cheguei lá e disse para meu tio:

-Tio, a tia diz para você vir jantar!

E ele, brincalhão, respondeu:

-Tá bem meu filho. Diz lá à tia, que vá migando as sopas que eu já levo o pão!

E eu voltei e fui, na minha inocência, transmitir o recado a minha Tia.

Noutra ocasião, estávamos a jantar e eu gostava muito de linguiça cozida. O meu tio, brincalhão como sempre, colocou-me no prato, algumas rodelas e, misturada com elas, uma malagueta. Claro que, sendo noite, à luz do candeeiro a petróleo – não havia electricidade, meti à boca a malagueta e o resultado foi o que se calcula. Mas ele não fazia isto por mal, era a forma de ser – brincalhão.

Quando, anos mais tarde, tive que ir para a guerra colonial, para a Guiné (de que falarei na altura própria), no dia em que me fui despedir da família, dormi em casa de minha tia, na rua do Cerradinho, hoje rua 1º de Maio. Meu tio, como habitualmente foi para a taberna e quando voltou, já vinha “grosso”. E então, ao lembrar-se que aquela seria provavelmente a última noite que ali pernoitava, visto nunca se saber se algum dia regressaria ou não com vida, desatou num choro alto, que acordou a vizinhança. E no pranto, não se cansava de dizer:

- Meu rico filho, que nunca mais o vejo!

Era assim o meu tio Libertário, muito alegre, muito sentimental, um coração do tamanho do mundo, um dos grandes amigos que tive e que jamais esquecerei.

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