segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

AS MINHAS MEMÓRIAS As Feiras em Alvalade -2

as Minhas Memórias

AS FEIRAS EM ALVALADE 

Logo de manhã, minha mãe, dava-me o banho, no alguidar grande de zinco e vestia-me a rigor. E depois de tomado o cavalo, o Morgado – um animal cinzento, lindo, que o Toino havia comprado por intermédio do Zé Rato – lá seguíamos na carrinha, a caminho da Vila, para a feira.

Gostaria de falar aqui um pouco do Morgado, porque também ele faz parte das minhas memórias. O Morgado era, como já referi, um lindo animal. Mas tinha um defeito. Quando menos se esperava “embicava” isto é faltava-lhe as forças nas pernas dianteiras e pumba, caía e muitas vezes caíamos nós também. Certa vez, poder-se-ia ter dado um grande desastre – o Morgado entendeu cair, precisamente numa passagem de nível, quando o comboio já assomava ao fundo da recta , junto ao Monte Novo. Conseguiu-se cortar os arreios a tempo. Também, no dia em que fiz o meu exame da 3ª classe, quando íamos a caminho da Vila, junto à Casa da Guarda da CP, o Morgado resolveu “embicar” e eu, que não ia seguro, passei pelo ar por cima dele e estatelei-me felizmente só com uns arranhões.

Outra mania do Morgado, é que gostava de competir com o comboio. Se seguíssemos numa estrada paralela à via férrea, quando o comboio por nós passasse, o Morgado lançava-se numa corrida doida, aos quatro, tentando o impossível – ultrapassar o comboio. O resultado é que, com esta mania, mais depressa chegávamos ao destino.

Mas voltemos aos dias de feira. Logo que chegávamos à estação da CP, se notava que os dias eram diferentes. As linhas férreas estavam completamente cheias de vagões, que serviriam para o transporte do gado comercializado na “ corredoura”.

A corredoura, como se chamava ao local onde se concentravam os rebanhos de ovelhas e cabras, as manadas de vacas e bois, as varas de porcos, situava-se à entrada da Vila, antecedida pelo acampamento da “ciganada”. Alvalade era na altura rodeada de extenso olival e era aí, no olival que se faziam os negócios de transação do gado. Na estrada da estação, os ciganos tentavam vender as suas mulas e burros, correndo com os mesmos para mostrarem que não coxeavam.

Depois, frente à Escola Primária, aí sim – começava a feira. Logo aí ficava o carrocel ou carroceis, porque por vezes era mais que um, mas geralmente o “Alegria” e o “Vieira”. Depois ao lado destes, o circo, geralmente o Cardinal, Na mesma zona as barracas do tiro ao alvo, ou as barracas das “meninas” como eram chamadas as prostitutas, onde depois do negócio de gados os comerciantes e lavradores se divertiam , entregavam ao prazer carnal e deixavam muitas vezes o resultado do negócio.

Também aí ficava instalado o Poço da Morte, ou o baloiço de roda.

A seguir as barracas de roupas, o pronto a vestir e a seguir as barracas de brinquedos e quinquilharias, seguidas das louças de barro, cadeiras de buinho, latoaria etc. Mesmo à entrada da feira, ficava sempre instalada a barraca das fotografias à la minuta. Aí se juntavam as famílias, que só se encontravam nos dias da feira, para tirarem os retratos e ficarem com uma recordação. Deixando o olival e entrando na Vila, situavam-se as barracas dos frutos secos, geralmente na posse de algarvios que aqui se deslocavam, para venderem os figos secos, as amêndoas, as nozes, as alfarrobas e miniaturas de animais feitas de figo. Os pais e mães para não cederem aos pedidos dos filhos, diziam: aquilo não presta, filho! Aquilo é amassado com o cu das algarvias!
Mais acima, já quase na entrada do Largo da República, eram as frutas. A mais procurada sem dúvida, eram as nêsperas. E recordo aqui o pregão das vendedeiras “ levem-na boa nêspera , meninas”, o que, naturalmente fazia corar as donzelas que passavam.
Entretanto e dado que nessa altura não havia abastecimento de agua, a mesma era vendida na feira pelos “aguadeiros”. Estes eram moradores da terra, que aproveitavam a ocasião para amealharem alguns patacos. O pregão também me ficou nos ouvidos: “agua fresca regalada, dois tostões é uma barrigada”. As crianças percorriam a feira procurando pessoas conhecidas, familiares ou não, pedindo “as feiras”. E logo após os tostões na mão, iam gastá-los nos pirolitos ou no torrão de Alicante.

A feira mudava Alvalade como da noite para o dia, Dezenas de comerciantes visitavam a localidade e o desenvolvimento notava-se nesses dias. As transações efetuadas durante a feira, eram festejadas à noite, nas taberna, uma delas a do Vitorino
Café ? apenas o do Vasco, onde se serviam galões e garotos de boa qualidade. Igualmente nas tabernas se faziam ouvir os melodiosos cantes alentejanos, porem, só até determinada hora, pois a GNR da altura não o permitia, por indicações do governo da época.

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