Estou no norte do País, mais propriamente em Trás-os-Montes, numa aldeola situada em plena região do Alto Douro. Localidade lindíssima, casas implantadas nos socalcos,por entre vinhedos , onde neste inverno rigoroso, como todos os invernos, numa noite muito fria, à volta duma lareira, vendo a televisão, na qual se transmite um espectáculo comemorativo dos 75 anos da rádio portuguesa. E, naturalmente, sendo este blogue, criado especialmente para retratar as minhas memórias, muitas delas me ocorrem agora. Devo dizer que o facto de me encontrar em Trás-os-Montes, no Alto Douro, será motivo para numa outra crónica vos relatar o porquê da presença deste alentejano nestas paragens. Mais tarde prometo fazê-lo. Por agora são as recordações da Rádio Portuguesa, que me inspiram a escrever.
E, na sequência do programa que a nossa televisão apresenta, todo ele repleto de recordações, referentes aos primeiros anos da nossa Rádio, não posso ignorar, os momentos vividos na minha infância, na década de 60, na herdade dos Almargens, mais propriamente no “monte” hoje reduzido a ruínas. A casa do lavrador, onde eu passava o meu dia a dia, especialmente a cozinha, que recordo ampla, com uma lareira enorme, onde nas noites de invernia, a fogueira nunca se extinguia, e à noite se reuniam para alem do lavrador, outros trabalhadores da herdade. Nessa altura nem se falava ainda em televisão, mas a telefonia, já começava a aparecer. Na casa senhorial, havia um aparelho de telefonia, nesta altura a pilhas. Anteriormente existiram no “monte” outros aparelhos idênticos, alimentados por baterias de 12 volts, que periodicamente eram carregadas na Vila. À volta destes aparelhos, recordo-me, reuniam-se todos os dias as mulheres do “monte”, para ouvirem em profundo silêncio, só entrecortado pelas lágrimas que não resistiam ao “romance”, patrocinado pelo primeiro detergente que me recordo – o tide- depois o omo. À volta da telefonia, as mulheres ouviam o relato do “romance”, muitas vezes com cenas dramáticas. Que naturalmente enchiam os olhos de lágrimas.
Mas, quando referi os anos 60, não era minha intenção, voltar a falar, dos romances do tide-. Aqui o que eu pretendia recordar, era a figura do meu compadre Leonor, almocreve da herdade. O nosso amigo, que no momento em que escrevo já partiu, deixando para mim inúmeras recordações que um dia irei escrever, não perdia uma noite sequer a transmissão da rádio clandestina “ Rádio Moscovo”. O lavrador, muito receoso destas questões atentatórias do regime político vigente, e vítima das pressões exercidas pelos esbirros do regime, junto das populações rurais, não via com bom grado a audição desta emissora clandestina. Mas com muitas insistências do meu compadre, lá anuía e deixava que o Rádio Moscovo, transmitisse e fosse ouvida a sua programação anti regime salazarista.
O regime político português de então e anterior ao 25 de Abril de 74, contrariava estas audições, com programas como “ rádio Moscovo não fala verdade”, ou então o “Angola é Nossa”, para alem de outros programas criados a propósito, para exercerem a acção psicológica do regime ditatorial junto do povo português. Outras emissões clandestinas existiam como por exemplo as da Rádio Argel, difundidas a partir daquela cidade capital da Argélia em território do norte de África. A policia politica- PIDE- não dava tréguas aos resistentes e o perigo era enorme, dadas as ameaças existentes com a repressão a todos os que se opunham às ideias perseguidoras do regime anti democrático.
E termino esta minha crónica, quando no programa que a televisão transmite neste momento, se ouvem os acordes do “Grândola vila morena” e o relato do 25 de Abril de 1974. Data histórica, que jamais poderá ser esquecida.
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