A minha vida e a Casa do Povo (1)
Quando no inicio da década de 60, com os meus 12 anos de idade, visitei na
companhia do meu protetor – lavrador da herdade dos Almargens, o edifício da
sede da Casa do Povo de Alvalade, então em construção, estava longe de pensar
que parte da minha vida futura estaria ligada a esta instituição. De facto, a
partir daí comecei a nutrir pela mesma, uma ligação que se viria a fomentar
mais intensa, quando em 1976, ingressei no quadro de pessoal da Casa do Povo de
Alvalade. Vivia-se nesses tempos forte movimentação resultante do regime
instaurado em 25 de Abril de 1974. As Casas do povo, foram criadas por Salazar
e após a revolução eram vistas com grande desconfiança e animosidade. Muitos
dos seus dirigentes haviam sido afastados, uns por ligação ao regime
ditatorial, outros acusados disso, embora em muitos dos casos tal não se
verificasse. Mas a onda saneadora não poupava ninguém, dirigentes e até
trabalhadores. Foi assim que muitas se viram sem funcionários e como tal houve
que admitir novos trabalhadores. Encontrava-me então a exercer atividade
profissional no Arsenal do Alfeite, em Almada, quando pessoa amiga me informou
da existência de concurso para novos funcionários da Casa do Povo. Inscrevi-me,
na então Junta Central das Casas do Povo e fui presente a concurso de admissão
ao lugar de escriturário. As provas foram efetuadas no próprio edifício da
instituição e, de entre vários concorrentes fiquei classificado em primeiro
lugar, tendo iniciado as atividades em Dezembro de 1976, com vinte e oito anos
de idade. Como atrás referi, ser funcionário da instituição, nesses tempos,
constituía uma aventura e uma grande incerteza. Mas, lá consegui singrar .
Nessa altura a vida da Casa do povo, resumia-se ao serviço de secretaria, no
âmbito de regime especial de previdência dos trabalhadores rurais. Atividades socioculturais
também. Com a minha juventude, rapidamente me embrenhei na vida associativa. Após
algum tempo, foi criado o Grupo de Acão Cultural, constituído por alguns
jovens Alvaladenses, que desenvolviam atividades culturais e recreativas.
Lembro-me que uma das primeiras iniciativas foi
a realização de um concerto musical, com a Banda da Força Aérea. Devido
à recente revolução dos cravos as forças armadas granjeavam o carinho e a
admiração das populações, pelo que este facto constituiu um enorme êxito.
Curiosamente a grandeza da banda obrigou a que o pequeno palco do salão de
festas fosse prolongado até metade da sala, para poder acomodar todos os
executantes. Refiro este facto, como uma das primeiras, senão a primeira atividade
cultural realizada após a minha admissão na instituição. O que não quer dizer
que a seguir ao 25 de Abril de 1974, Alvalade não tivesse assistido a outras
realizações de grande valor. Recordo ainda a primeira festa do trabalhador realizada
no então “quintal da Rosarinha” como lhe chamávamos e cujo primeiro
impulsionador, foi o saudoso Domingos de
Carvalho.
O Grupo de Acão Cultural, iniciou pois a sua atividade na Casa do Povo,
organizando um grupo de teatro , cujo primeiro trabalho foi a representação da
peça de Alfonso Sartre “A morte no bairro”.
Mais tarde, sob a influência do então pároco padre José Martins Salgueiro,
os jovens Alvaladenses começaram a granjear interesse pela história de Alvalade
e foi por iniciativa daquele padre que um grupo de jovens entre os quais me
incluía, se deslocaram a Lisboa, à Torre do Tombo, a fim de observarem o original do Foral de
Alvalade. E, pode afirmar-se que, graças ao clérigo que nos acompanhava, tivemos
nas nossas mãos o secular LIVRO dos
FORAIS NOVOS, que se encontrava
guardado na casa forte daquele arquivo histórico. Grandes momentos, hoje infelizmente
desvalorizados, mas que confirmam a existência em Alvalade ao longo dos últimos
anos de pessoas empenhadas no estudo e pesquisa da nossa realidade histórica.
E, posso afirmar que a todas estas atividades esteve sempre ligada a Casa do Povo
de Alvalade.
(continua)