Quando terminei o curso industrial, ou mais concretamente o
curso de formação de electromecânico, no principio dos anos 60, na Escola
Industrial e Comercial de Beja, rumei para Almada, onde por intermédio de um
familiar que já partiu, ingressei no Arsenal do Alfeite, como aprendiz de
serralheiro mecânico.
Nunca concordei com a situação de “aprendiz”, dado que no curso
industrial, tal como nos demais cursos ministrados nas antigas Escolas
Técnicas, a aprendizagem era exemplar. Nas oficinas colocadas à disposição dos
“aprendizes” nada faltava para que se formassem bons profissionais. E, depois
de três anos de curso, custa um pouco ingressar no mundo do trabalho com a
profissão de “aprendiz” . E se pensarmos que esta categoria era distribuída por
aprendiz de 3ª, aprendiz de 2ª e aprendiz de 1ª, maior será a nossa repulsa.
Pois fui admitido como aprendiz de 3ª classe, com o
vencimento mensal de 802$00. Tinha na ocasião 17 anos de idade. Outra
particularidade que em muito ajudava os jovens aprendizes, é que, com um
horário das 8 horas às 15 horas, quando os demais operários iam até às 17
horas. A razão consistia no facto dos jovens estudarem reunindo assim
conhecimentos teóricos que aliados aos conhecimentos práticos faziam deles, na
generalidade bons profissionais.
No meu caso, saía como tal às 15 horas, e percorria o caminho
que me levava do Portão da Romeiras, passando pela Cova da Piedade e subindo
depois até, Almada, à urbanização
sobranceira à Lisnave onde residiam os meus familiares que me acolheram em sua
casa. Teria pois o tempo suficiente para estudar, preparando-me para, após o
jantar, iniciar as aulas na então Escola Industrial e Comercial Emídio Navarro,
até às 23 horas.
Ingressei pois naquele estabelecimento de ensino, no 1º ano
da Secção Preparatória ao Instituto Indusdrial.Aí permaneci até a minha ida para o serviço militar
obrigatório. Entretanto porque os meus familiares decidiram adquirir casa própria, passei a residir,
primeiramente, junto ao monte do Cristo Rei e mais tarde em dois quartos
alugados, perto desse local.
No Arsenal, onde fui como frisei admitido como aprendiz de
serralheiro mecânico, na oficia de ferramentas, tive o primeiro contacto com o
mundo do trabalho um tanto ou quanto penoso para mim. Como serralheiro mecânico
passava todo o horário de trabalho, numa bancada, na frente de um torno, onde
se reparava de tudo o que fosse ferramentas de trabalho. A oficina não era
grande, mas dava trabalho a cerca de 30 operários, chefiados por dois
“mestres”, cijos nomes se a memória não me falha eram Campos e Manuel ? que
conhecíamos por “nini”. Eram boas pessoas, embora contactassem com os operários
apenas o necessário. De resto permaneciam num gabinete, de dentro do qual,
através de uma vidraça seguiam toda a vida da oficina.
Já não consigo recordar-me dos meus colegas de trabalho. Mas
lembro-me que na minha frente na bancada, um operário de idade avançada, se
entretinha a falar comigo, sobre os mais variados aspectos. Devido a isso,
muitas vezes tanto um como o outro eram chamados à razão pois com a conversa
esquecíamos o trabalho.
Na oficina, muitos dos trabalhadores viam em mim, o filho de
um qualquer agrário alentejano. Embora constantemente os informasse que
provinha de trabalhadores agrícolas, quase não acreditavam, pois eles sabiam
que as classes rurais tinham dificuldades em darem estudos aos filhos.
Atrevo-me até, a afirmar, que por vezes e a principio devem ter pensado que
teria ali sido colocado, para ouvir as suas conversas e comentários nada
favoráveis ao regime. Levou muito tempo até se convencerem de que tal não
correspondia à verdade. Tive e conheci ali grandes amigos. Provavelmente poucos
serão vivos.